Vocês vieram para matar, ou chegaram para morrer?
Pensamos mesmo que as espaçonaves do céu iriam
descer?
Curvariam a luz, radiando para além do espaço-tempo
só pra ver o nosso medo refletido em seus oleosos olhos
negros?
A nos caçar como predadores, como sugerem nos filmes o
tempo inteiro?
Não são eles os que viajam para nos matar,
que vem pra nos encher de chumbo,
Não são eles os que nos odeiam,
e não são os que mutilam nossos animais,
ou que viajam pelas estrelas,
Eles não são aqueles que nos causam o mal – Nós que somos!
Somos nós, somos nós, somos nós!!
Nós somos natureza-morta, sangues-frio,
e nós não sentimos nada.
Infernalmente convictos do paraíso
Enquanto nossos homens justos estão embalando cadáveres
cheios de fé e de merda
Nós somos natureza-morta
Embalando cadáveres cheios de fé e de merda,
eles discursam sobre um futuro além da lua,
para trazer mais um outro planeta à espúria.
Descobrir vida pacífica e tocar nosso tambor de guerra para
afiná-la.
A menos que as minhas rezas sejam atendidas, muito em breve
nosso fim será a vala.
-
Acho daora
as analogias que fizeram pra abordar a prepotência e o poder de
(auto)destruição dos homens, principalmente dos mandachuvas do mundo e seus
seguidores: através da imagem sobre o diferente que estes constroem, imagem que
é sempre de hostilidade. Na música, a banda usa, como se fosse uma alegoria, os
alienígenas como expressão desses diferentes, e julga: “se alienígenas
quisessem dar as caras por aqui, eles não iriam querer”. Afinal, uma
civilização que conseguiria “curvar a luz, radiar para além do espaço-tempo”, que
teria tecnologia para isso (algo extremamente longínquo para um humano atingir... chegar à velocidade da luz etc.), não viajaria todo o universo só pra chegar aqui nos
assustar e nos comer, “como nossos filmes sugerem o tempo inteiro”.
A música
começa com essa clara menção aos filmes hollywoodianos sobre essas coisas. Pela
lógica, não faz o menor sentido que aliens viriam para cá nos aterrorizar, não temos
nada o que oferecer a eles, a não ser desgraça: “vocês chegaram pra matar ou
chegaram pra morrer?”. A indústria cultural norte-americana, e dentro dela os
filmes de Hollywood, muitas vezes (se não sempre) se mostra como disseminadora
de ideologias veladas, disfarçadas por historinhas em primeiro plano que
entretém e divertem. Por trás desses filmes nos quais aliens invadem os EUA,
causam uma destruição lascada, e a civilização norte-americana diante desse
inimigo em comum se vê unida, dizimando esses invasores predadores com seu
poderio militar hegemônico, há uma ideologia velada. Os aliens na verdade
representam “a ameaça que vem de fora”. No filme, esse fora é o universo em si;
na vida real, a ameaça são os muçulmanos, os “terroristas”, os imigrantes
latinos etc. Ou seja, através desses filmes, pinta-se um sentimento de
nacionalismo e supremacia, um sentimento de “proteção daqueles que estão dentro
da fronteira (dos EUA)”. Além, é claro, de se fomentar também uma cultura do
medo, tão significativa para a terra do Tio Sam.
Para além
desse sentimento construído, há a explicitação de como o homem, pelo menos o
ocidental “civilizado”, não consegue estabelecer trocas produtivas com seus
diferentes. Explicita-se, ainda, que enquanto nossa indústria está pintando que
é o de-fora-da-fronteira quem nos causa todo o mal, lá estão os de dentro se
autodestruindo na vida real. “Eles não são aqueles que viajam para nos matar,
que chegam pra nos encher de chumbo, não são quem nos odeia, nem quem mutila
nossos animais... Nós é que somos”. Nós é que somos responsáveis por nossa
própria desgraça, em qualquer sentido que se esteja falando – por isso a banda
dá vários aspectos de destruição.
Reforçando,
esse “nós”, eu-lírico, aqui são os homens ocidentais “civilizados”,
principalmente norte-americanos, prepotentes, loucos, egoístas, etc.; a própria
banda deixa claro de quem está falando: “Enquanto nossos homens justos (our righteous man – também homens
direitos, ou homens de direto) estão embalando cadáveres cheios de fé e de
merda / Nós somos natureza-morta”. São esses que se dizem (e acabam sendo
mesmo?) donos do mundo, os senhores que decidem os rumos da Terra e da
civilização. Homens justos é nitidamente irônico, pela última estrofe da música
pode-se ver isso (ela será abordada no fim do texto).
Eles estão
“embalando os cadáveres cheios de merda e fé”; a frase tem sentido duplo, mas
complementar: embalar os cadáveres, usando de seus discursos ricos em bosta e
em fé vazia e forjada, significa padronizar seguidores – empacota-los – que
cegamente os seguirão (cegamente pois estão embalados / empacotados / em
cabrestos), por isso cadáveres. Complementando o sentido, esses “homens justos”
também são aqueles que geram cadáveres reais, como consequência
de suas políticas de guerra.
A expressão
que sintetiza isso tudo: nós somos natureza morta. O legal do inglês é que na
própria expressão há a palavra “vida” pra expressar “morta”: “we are
still-life”. Deixa a coisa ainda mais irônica... Nós somos natureza morta. Ao
vincular aos humanos vivos uma expressão usada na pintura para representações
de seres inanimados, a banda potencializa o termo e o ressignifica: só
parecemos ter vida, mas nosso sangue é frio, somos apenas representações,
afinal tratamos a nós mesmos como natureza-morta; e acabamos sendo. Tenho
minhas dúvidas se nesse trecho se referem só aos “righteous men” mesmo ou se a
uma grande parte da humanidade, frutos dessa vida sem vida da era
digital-consumista-individualista... Mas continuando pra não ir pra fora da
música:
Um verso
agora dos que acho mais interessantes na música: “Infernalmente convictos do paraíso”. Foi bem difícil achar uma
tradução que desse conta do jogo de palavra usado no original: “Hell-bent on heaven”. A expressão “Hell-bent”
significa “extremamente convicto; obcecado”, mas possui a palavra “Hell –
inferno” dentro dela; “heaven” significa paraíso. Enfim, o verso faz esse lance
com as palavras pra mostrar que essa obsessão pelo paraíso (e isso é bem coisa
de estado-unidense mesmo) leva a uma busca inatingível por ele, por meios
infernais, ou seja, de destruição em massa. Destruição do mundo, dos humanos,
da vida, tudo. Usei o termo “convictos” pois vários loucos estado-unidenses se
auto intitulam como moradores da “terra prometida”; e como no original usam o
conectivo “on”, pode sugerir, grosso
modo, algo como “obcecados no
paraíso”, traduzi então como “infernalmente obcecados do paraíso”, para incluir
os dois sentidos: tanto o da busca do paraíso com base em destruição, como o do
se considerar no paraíso mas sempre com comportamento infernal.
Passando
adianta na música, chegamos à última estrofe. Pra mim, a parte mais foda, tanto
do som, quanto da letra, acaba sendo meio que uma conclusão perfeita. “Embalando
cadáveres cheios de fé e de merda / eles discursam sobre um futuro além da lua
/ para trazer mais um outro planeta à espúria”. É um tanto auto-explicativo,
mas vou comentar. A ironia aqui é precisa: o homem, que só sabe causar sua
própria desgraça e mal consegue limpar a bunda, discursando sobre um futuro pra
além da lua; conquistar outros planetas, só pra leva-los a merda como fez com a
Terra, planeta-mãe. Discursos de grandeza, conquista do universo, quando na
verdade ainda é um ser tão pequeno. Tudo aqui é típico do comportamento humano:
é bem o que é a relação de parasitismo:
usufrui de tudo o que pode, degradando o hospedeiro (a Terra), pois
depois é só migrar pra outro lugar que tá tudo certo! Tem sempre um
lugar/alguém pra explorar!
“Descobrir
vida pacífica e tocar nosso tambor de guerra para afiná-la”. Essa imagem é
sensacional. “Afinar uma vida” pacífica com o tambor de guerra; novamente a
ironia, afinal isso seria desafina-la. Mas o que fica massa é que a banda usa
um termo que realmente é usado no ramo da música, afinar um tambor – e o
processo de afinação é muito melhor se feito em conjunto. Essas coisas vão de
encontro entre si dentro desse verso. E pra finalizar, os versos seguintes: “A
menos que as minhas rezas sejam atendidas / muito em breve nosso fim será a
vala”. O interessante aqui é o uso de “rezas”, ou seja, eleva ainda mais o
pessimismo, afinal quando sua única chance é que as preces sejam atendidas, é
que a coisa tá mesmo feia...
Pra
finalizar a análise, faltou o título da música, que diante de tudo que foi
abordado aqui, ganha uma significação bem robusta, que contribui pra ironia
geral do texto. “O trono de Sequoia”. Trono, é claro, denota realeza, grandeza,
reinado. “Sequoia” é um tipo de árvore, na verdade um gênero de árvore, que
hoje conta apenas com uma espécie sobrevivente (até onde se sabe), nativa de
onde? Claro, dos EUA! São árvores encontradas principalmente na Califórnia; na
música, o termo Sequoia é a dica pra ver que esse reinado que se critica o é norte-americano
especificamente, carregando uma ironia questionadora, afinal, que reinado
desgraçento é esse? Mais informações: é nos EUA que se encontra a árvore mais
alta do planeta, que é dessa espécie, e possui aprox. 115m de altura. Ela foi
nomeada de “Hyperion”; nada prepotente, né?! As referências não param por aí:
essas árvores podem viver durante milhares de anos; tempo que, se deixar, os
EUA vão tar aí reinando...
Enfim, essa
á uma música que de primeiro momento parece meio simples ou boba, parece que fala
de ET, espaçonave, mas que ao trazer essas referências mais profundas, dá pra curtir
essa complexidade que não tá aparente mas que é bem potente, cheia de relações.
Espero que tenham desfrutado de algo e aproveitado alguma coisa da “discussão”
do texto e do som, que também é monstro, progressivo, complexo. Essa banda aí ó...
Assustadora, no melhor sentido da palavra...